o processo lento de suas frígidas
veias espantam aos olhos atentos. quis movimentar para dentro-fora essa sorte
do encontro, escape do êxtase, possível transformação de potencial em coisa
feita, fazendo-se, construção de casa. cada palavra caminha para a certeza do
fracasso, mas confia no caminho, e sabe porquê pisa. sabe de sabedoria
esquecida, sem sentido, longe de conhecer, distante de descrever, fazer
tratado, apontar o dedo, discutir o útil . a palavra sabe um olhar vago,
reconhecer corpo magro, aceitar fragilidade, abraçar peito entorpecido, é a
acolhida do sol quando escolhe subir ao mundo, este mesmo cheio de pernas
bambas e tontura vã.
quando te disse que queria lhe
escrever cartas, contar meus sonhos, participar de seu rosto, explorar o
numinoso, lamber seu suor, compreender seu derretimento, e fazer de toque um
corpo-troca, foi uma confissão. quis contar o valor da presença da respiração
cautelosa que você lançava sobre mim, como um furacão impedido. gostei da sua
confusão, e te falei das faces cheias de sangue, em coração, perpetuadas de
coragem; das faces submersas, às vezes feias, mas que são lembrança antes de
dormir. as faces que a gente sabe de cor, dos traços, as linhas de expressão,
pedaços tortos, que nomeamos e fazemos ser, trazemos à vida, porque somos todos
parideiros de chances.
não há estado de pureza, só
existe contaminação da árvore no teu caminho, seu pé sujo de terra, os pelos
dos gatos no nariz, os olhos mareados, atingidos, preenchidos de verdade,
pulsando, sentindo organismo, víscera por entranha, entrega ao absurdo. quando
você me disse que gostava da sua solidão, te achei tolo, assim como você acha
ingênua a força doada por mim ao alcance do sombrio. o tempo está passando num
giro espacial contínuo e repetido, e nossas energias agora nestes corpos tão
nossos, tão eu-sou-eu-mesmo, disseminarão em terra ao completar do ciclo
invisível. não é como se fôssemos todos os tijolos da parede, mas os caramujos
por dentro dela é que nos são.
é com bastante tristeza que
escolho compreender o movimento de amorosidade doada, que luta pela presença,
que não dá às costas congeladas à indiferença da própria voz que diz. o carinho
que você merece de mim é quando nos esbarramos aquele dia, com as mãos cheias
de vontade, e escolhi encostar a palma no teu tronco. não porque eu sabia que
você iria embora com tanta facilidade, mas porque queria te pedir para ficar,
encarar a cara do grande cachorro preto que uiva e morde. se ficasse,
perceberia que correr sempre para frente procurando um outro vazio que, no
imediato, aparenta luminoso, faz deixar pra trás o detalhe sombreado que
contorna a precisão do momento. e então a passagem torna-se borrão atravessado,
passos trôpegos, gente bêbada entorpecida de exaustão, chorando questionamento
no umbigo, desabrigada, envaidosa, agarrando-se desesperada à troca de peles.
aqui, certa oficialidade exige
horas do meu dia para que eu seja oficial. eu, que me estimulo quando corro,
dou risada de criança na rua, xingo quem me desrespeita, deixo ver cabelo azul
e rosto nem sempre singelo, mas existência inteira. se aprender importância de
existência inteira é coisa que não te faz cavar fundo tua terra, plantar uma
palavra nova, torcer pra que cresça e chorar quando perceber que cresceu, vou
embora tranquila, deixando a ti esse teu mundo tão certo, tão incrementado de
experiências grandiosas, tão descoberto pelos auto-seiláoque nos quais tu gosta
de se apoiar. um dia, quem sabe, minha lembrança encontre a sua, e você
consiga, então, piscar os cílios, e abrir os olhos para o infinito que te
espreita.
Nenhum comentário:
Postar um comentário