o movimento do entre pelo tempo e pelo espaço, onde cada palavra é figura esburacada, e o rosto de ninguém expande ao infinito.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Loba

Ela corre por vales adentro sem medo do escuro. Seus olhos veem fundo, mas é numa percepção aguçada de sentido, na pisada firme e desconfiança necessária, que sua existência no mundo se instaura. Ela se manifesta na sensação da lua. A sabedoria, em seu arfar, expande espaços e tempos antigos, para desde o princípio da pegada. Ela veio da terra, mas segue caminho entre a água, movimentando o ar e resguardando a solidez de seu corpo pela admiração ao fogo. É verdade que sair dizendo dela parece perigoso. Mas é só o que vejo quando encaro este espelho. Vejo o reflexo de uma outra coisa que não minha pele lisa, a fragilidade de minha cor, e a tristeza imanente que escorre pelas veias. Quando esburaco estes olhos meus, e outros de mim, vejo uma velha mulher que não dispõe de palavras ou ornamentos. Ela é muda de sentido, mas canta, num sussurro audível, sobre a inteira força do espírito. Aumenta a sensibilidade em meus ossos, e sinto, através dela, minha participação na ancestralidade. Do espelho emana instinto. E de tudo aquilo que é dado importância, por experiência sinistra, horrível e sublime, recupero a antiguidade da coleção, das histórias, do ritmo, e do dar-se as mãos. A palavra coragem vem do sangue que percorre a todas as faces. E aquilo que há tanto foi criado, destruiu-se, e pede recriação. Pede novos cantos e uivos. É preciso permanecer. E dar a morte ao que dela sente sede. Também, por vezes, recorrer às cartas esquecidas, aos objetos da infância, seja para queimá-los, seja para incorporá-los ao que hoje transpira. 

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