Miguel sentou-se no meio da rua e
começou a chorar. O imenso desconsolo das mãos que lhe cabiam expunha seus
fantasmas para fora, e a cada nova maré seus olhos tornavam-se cinzas. A
fuligem de seu corpo negligente atordoava o restante dos seres que ali viviam e
compartilhavam, em presença, a rua que ele atravessava, parado pelas pernas e
acuado pelo chão. À medida que soluçava, a berros, o silêncio dentro dele
crescia vacuolar. A coluna enrolada movimentava o sangue dele para dentro da
terra, ignorando a solidez desenvolvida pelo asfalto para contornar o caminho
dos fugitivos.
Bem, ele podia ser jovem, mas não
era tolo. Seus pequenos pés compreendiam o peso do pisar entre a lentidão do
múltiplo crescimento. E a desolação que sentia era na transformação incessante
de toda a verdade, no perceber o abandono iminente, fatídico, ao amor confiado
numa outra pessoa. Miguel não precisava erguer os olhos para notar o movimento
triste dos homens, esvaziados e confusos, desconfiando à própria perdição,
inevitável a cada troca de ares entre o céu e o buraco.
A mancha verde-musgo na parede do
quarto de Miguel era a única certeza de pele que o atraia segurar. Todos os
vultos lá, gritando vértebras e intestinos, contornavam a mancha real na casa
dele, que ocupava o centro da consciência, para além de saculejos e ondas
turbulentas. E a beleza desta rua soturna morava no antigo perfume de sua mãe.
Acompanhando a mancha na parede da casa, Miguel sufocava o choro com o
antebraço direito, aspirando compulsivamente em busca de origens, algo da
ancestralidade maternal presente em suas memórias e nos pelos dos braços
humanos. Entregue ao avesso do mundo oficial, lançou-se em meio ao asfalto,
desafiando a plenitude de seus ossos. Eis que, no segundo sucedido de inteira
vida, o acontecimento encerrou aquele instante em história, na asa de reluzente
borboleta voando por entre os carros da rua.
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