o movimento do entre pelo tempo e pelo espaço, onde cada palavra é figura esburacada, e o rosto de ninguém expande ao infinito.

segunda-feira, 16 de março de 2015

Quedate Luna

relatos do mar

Apesar dos ruídos vindos das bocas e olhos que dão à areia seus caminhos, a infinitude quebra na orla e dá mover-se aos pássaros planando no espelho. Pode-se ouvir o quebrar, as águas furiosas redobrando-se em nuvens. Era um momento só com o mar o contemplar o infinito e a força do submundo, mas me sentia sozinha como consequência das presenças desconhecidas e da observação entre o bambu e o carvalho.
Existe outro lado. Isso sei. Existe presença ausente? Existe mais gente, ou menos gente?
A cada novo tijolo sinto-me só, mas não contra o mar e o céu, que contornam a distância. É o tecer por entre ambos, onde tudo precisa ser real, estar relacionado ao bombear. O carvalho, ou o bambu? 
Quem mora no mar conversa com todas as árvores quando fica em silêncio. Quem encontra-se com o som debaixo da terra, vê o murmúrio que traz o marejar de todos os lugares. Das pessoas aqui, a linguagem só responde às águas, para dizer-lhes que aguarda todas as luas (uma para cada coisa). Na chegada das luas, o mistério se desfaz e o amor pode enfim ser doado. Acontece, porém, o dia, quente e iluminado, quando surge o entendimento da aparição inevitável, que mora no espaço e reluz. Neste momento é que a lua se faz desejada e o chamado é lançado. A clarividência transforma-se em ponto magnético, o outro lado, que está lá na afirmação do mar, profundo, secreto, impetuoso.
Encontrei as criaturas da água durante a noite; apaixonei-me pelo outro lado. Deste lugar vem tudo, e com tudo é que localizo a extensão alcançada por minhas veias, fazendo correr o fim do sol, o início da espera, a capacidade de te espreitar no reflexo do além, e a vontade de nadar até lá para aprender com a imensidão.

A fluidez do retorno acontece quando a noite cede, e as estrelas dão lugar aos contornos abstratos dos montes no horizonte. Ocupam diferentes estares os níveis sutis das montanhas, que se dissolvem quando adentram às nuvens. Aqui existe um tempo que ainda não é dia, mas já abandonou a clarividência da noite: é uma pausa que não tem nome, para que dialoguem os sábios dos céus em sua linguagem sublime. Para dentro e para cima (desde debaixo para fora), o imenso, a explosão gloriosa do espaço - onde, ali, você também existe. Aí reside uma verdade, as cores estão aí também; as palavras têm poder para curar. 
O limite é o mar. Existe o outro lado, o sol virou, a lua já é outra novamente. O círculo flamejante que desvia a retidão do olhar enfim surge, como única palavra que é repetida e anuncia, por detrás da pedra, no fim do mar. Existe vida do outro lado.

Era como se o vento entrasse na casa com a força do mar bravio que me despertou essa manhã. A troca inevitável de instantes surpreende ainda quando olho a inundação translúcida. 

(Esta série de reflexos do mar contrasta rapidamente com o calor nas peles coloridas transitando pelos cantos. Passam os olhos pelos sons transformados ao longo da noite. Passa a gente e para no dia para olhar. Começa a vivificar a onda desde o centro do movimento. O estômago do mundo; daí vem a força).

Em alguma parte enterrada faz morada o medo de aceitar este momento, sua beleza insondável e a passagem da realidade. A gente que para pra ver, encontra. E leva pra casa, deixa a onda vir, inunda tudo, nota as expressões lançadas à sincera manifestação das mãos que criam por fora o caminho mesclado de dentro. Surpreender com o pungente som parece claro, direto. Estou surpreendendo junto às sutilezas, sabendo que tudo participa do mesmo lugar, e estes caminhos se completam. 

Fazer do mar casa é um movimento perigoso. Não há mais do que descaminhos nessa força que desemboca. O mar é casa em suas profundezas, quando não mais pesa a presença do abandono, só existe amplitude no âmago do mundo.

O bendizer do
Horizonte, encontro
das forças calmas,

Desagua perto
sobre os pés
Para anunciar

Que arrastará os corpos
para o fundo, onde
reside o rio

Sob a terra, a alma
do mundo, o buraco,
indundado;

Este lugar esconde
o amor, a desolação
e a entrega absoluta
ao movimento do tempo.

A maior extensão medida pelos sentidos, a fúria dos últimos três dias, filtrada pelo coração, traz ao dizer impossível, o inconcebível futuro. Passam todos os planos e meus esforços estão prontos para escapar aos pulmões em forma de grito mudo na direção de todo o vazio.
Eis a mensagem para a garrafinha lançada.

O coração e o mar fazem movimentos correlatos:
para dentro, uma profundeza inestimável.
para fora, uma força que ninguém alcança enquanto sabedoria.
Só vem o suspiro abstrato.
Trata-se de uma unidade imperiosa que acolhe e atrai tudo que ainda não participa nesta fúria.
Só os contém quem ama abertamente.
Só os que enfrentam as questões da alma.

O despertar tranquilo respirando todas as células acontece desde a água e aí desemboca quando o coração fica suspirando. As memórias ficam então abertas à construção para afirmar que existimos todos juntos. Cada onda que volta, já vem de outro lugar, transformada pela inteireza do porvir.
Ficam pegadas no úmido do chão. E outra vez existe o perigo no desejoso espírito.

O antigo com o novo num retrato que ainda não se pode ver. Está no filme enrolado dentro dos olhos, compreendendo os relatos do mar à toda profundidade. Agora só se pode dizer do movimento das estrelas e que, na falta de morada, há o mar para hospedar os movimentos que rebentam sem que os esperemos. Há a mãe da alma para cuidar da paciência necessária ao encarar a impressionante existência. Este aprendizado, de compreender a casa em movimento, abre um espaço no centro do corpo para que circule o ar. Demanda troca incessante, respirar com o meio desimpedido, aceitar a despedida. Compreender o retorno serve para cumprir um destino do coração. Não há como impedir o contínuo bater e o desaguar. É necessário receber o que vem do profundo mar. I dont have a choice, bu I still choose you.

Eu escolho recebê-lo feliz e grata, ciente da força arrebatadora, ciente da transformação irrevogável. Não existe reviver, só traço, seus desenhos do rosto que não formam imagem são feito sonhos, dando sinais ilegíveis, tornando realidade um caminho ao revés.

Alto, alto, alto estou só, sentindo esta linha invisível de extensão infinita. Não importa aonde estivermos pisando. Estou  no ar e te sinto presença  real, porque a lua fica, e o mar é a única realidade inquestionável.

A lua revoga a claridade para abrir o despenhadeiro da terra e o encontro com a sombra vislumbrada. A penumbra nebulosa convida para dentro o desenrolar deste destino.



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