o movimento do entre pelo tempo e pelo espaço, onde cada palavra é figura esburacada, e o rosto de ninguém expande ao infinito.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Desolação

Num tempo de ninguéns, a velha contorcida em mágoas destruía o pouco que amava e o menino grisalho dormia para sempre de tristeza consumada. As árvores por perto eram de gente e de bicho, espectavam feito olhos invisíveis. Aqui, os seres amados e o sono apenas andavam por desamor e insônia, em cabeças baixas e aflições expostas. Agora, cada motivo existia sozinho e em testa de moribundo. Os calos nos pés eram de tanto correr com as mãos e doíam feito parte do corpo. Devagar, a solidão consumia dedos e ardia retinas.
Por cima das coisas inanimadas, de respiração oca, pairava uma aura fantasmagórica própria do que não existe. Satisfeita e destruída, a criatura de palavras desditas enganava-se por dependurar-se em extremidades frágeis demais. Suas palavras não podiam mentir, mas não eram verdadeiras.
Entre tudo que existia, a proximidade era reflexo em espelho. Os habitantes da solidão mastigavam vidro de cem em cem anos.

Um comentário:

  1. É quando você descreve que a realidade vira barulho de quase acordar, que na verdade é silêncio
    São as suas palavras que estão no corpo, nos cantinhos do dedo mastigados, nos olhos que escurecem e encaram os lados, no azul da pele, que vira vermelhinho em orelhas emocionadas

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