o movimento do entre pelo tempo e pelo espaço, onde cada palavra é figura esburacada, e o rosto de ninguém expande ao infinito.

sábado, 17 de setembro de 2011

100 dias de solidão

O Ponto de Partida - A melancólica jornada do sequestro da novidade

Passei os últimos três meses parada e só num ponto de chão. O horizonte deixava claro a falta de pessoas. Um algo surgiu, me derrubou  em tumulto, encheu-me de pancadas e se foi. O que aconteceu?

A percepção do acontecimento da falta de acontecimentos

Estávamos dançando pela bola concreta, todos objetivamente juntos, em pele e aspecto. A presença polida em gelo daquele que não pode ser nomeado esvoaçou meus cabelos perdidos em mágoas. A existência veio me trazer o mundo para tatear, segurar nos braços. Nossa junção física não rompia as bolhas de distância ao redor - ignorá-las só as fazia menos translúcidas.

Sim, minhas roupas são de gente velha. Carrego nos lábios um sorriso inverossímil e buracos por debaixo dos
olhos. Meus cabelos estão verdes de desbotados, não mais azuis sorvete e espacinhos entre as árvores do céu.
Quando cheguei à porta, procurei as chaves ao fundo da bolsa, onde costumeiramente se escondem para me manter fadigada do lado de fora. Mantenho-nas presas a muitos chaveiros para que não me possam escapar os dedos; hoje meus dedos encurtaram.

10-11

Remixes indesejados e desrespeitosos vêm de qualquer lugar cinza de fumaça e não me deixam dormir. Escuto a hostilidade dos que não vejo. Os pêlos do meu braço eriçam de tristeza no ar tóxico da atmosfera. O céu é de um azul tão limpo de nuvens que engole devagar. É o horizonte separando as pessoas em espaços. Afinal, mundo também é uma palavra vazia de gentes.
Esqueci como as nuvens chegam ao céu. Será que ninguém percebe sua ausência?
A hostilidade é a distância medida em bolhas invisíveis. Um bom observador pode senti-las em rostos que compõem a sensação de existir em sorrisos de simpatia, mas que têm um dos olhos mais para a esquerda.
Acho que os remixes vêm da bola gigante que preenche o concreto e reúne pessoas em distâncias.
(Espero que um dia a formiga tenha consciência dos dez mil elefantes ao seu redor e sinta o horror de um despenhadeiro. Seria sublime.)
Os segundos do meu relógio de parede passam conforme deveriam, mas o ponteiro nunca para de marcar sete horas. Estou vivendo uma fotografia. 
Toda esquina é repleta de memórias-fantasma. Quero ruas virgens. As pessoas da cidade tem as mesmas sobrancelhas, eu já as conheço todas. Um nariz torto já não me é mais um nariz torto.
Busquei cartas e certidões de nascimento, mas elas não me buscaram de volta. A vida perdeu o interesse em mim.
Esse remix não são vários, mas um só, infinito, que parece querer englobar todas as músicas do mundo. É como dias de sol; eles reúnem num só tempo e espaço todas as coisas em mormaço.
Prefiro a solidão de ser ninguém em meio a tantos, esbarrar nas pessoas e romper bolhas a força. Onde estão as bifurcações que não pagam salário? Não posso parar o remix.
O futuro virá - tem que vir - com a chuva.

O Processo de Desconstrução


A preparação


Estava eu dançando tango com meu eu-fantasma, rompendo o não-eu e descobrindo nuvens na noite. O concreto da bola, dessa vez, vinha como uma cidade grande inteira, uma solidão agressiva, que se fazia perceber e pedia liberdade.

A natureza está em revolução.
O branco do céu vem em mini-pinceladas.
Elvis se gatinhando em mordidas de companhia.
O momento do entendimento no silêncio das palavras ditas em sutilezas.
A lembrança do devir-lembrança.
Chove para cima nas pernas que realmente andam.
A volta do menino-tricô.
Extremidades felpudas do ocelote-revira tempo-pleroma-aurora boreal.
A complacência na infinitude da experiência.
O vento cinza.
A amarelice dos dias amarelos.
A historicidade da matéria.
A procura pelos cabelos encaracolados em voo.
A infinitude dos metros.
A solidão da biscoitidão da bicicleta.
A tontura do nadar em costas.

"O vento engoliu as pessoas e está soprando elas de volta!"

Posso ver o monstro sem colocar sangue na cabeça e sem virar as gentes ao contrário. "O monstro já foi embora, ele só precisa ir em paz".

Senti dois pingos.

O céu azul voltou a intercalar-se por árvores em movimento. Não é o mesmo sorvete; veio em formato de esperança e pureza envolta em umidade.

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