o movimento do entre pelo tempo e pelo espaço, onde cada palavra é figura esburacada, e o rosto de ninguém expande ao infinito.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

nostalghia e outros desamores

a fumaça trêmula em frágeis círculos, esvaindo-se à contra-luz, alcançando, no desfazer de sua existência, moradas de silêncio e reinos de chuva gelada. enquanto as pessoas acontecem lá fora, eu, de dentro do quarto, encaro os pés do menino, cujo corpo, estendido sobre o meu colchão, cheira à sombra de terra úmida.

beatriz bandeira


Eu, que de dentro da casa admiro o mover-se, 
lentamente inalo o ar. 
À cada uma de suas aparências nomeio suavemente, 
o abafado, o recorrente, esse nome tão seu que derradeiro, 
entregue ao mundo, secular. 

O seu rio me causava espanto, e eu seguia acompanhando as bordas de longe para não cair por esta fundação. Os passos dados pelos meus pés não eram violentos, qual o fluxo destruidor do que gerava sua nascente. Dentro do meu rosto provia aquela água sua, vida, morte. E, um cigarro após o outro, eu queimava cinzas adentro minha verdade por dizer. Sonho último, última noite, por suas transbordas, irrompia de mim o grito inundado, último perdão, sangrava, em desespero. Pois eu não entendia a sua distância, as nossas diferenças de tamanho. Eu não entendia a ininterrupção desta existência. Era empurrada entre extremidades, para poupar-me, para que eu não fosse engolida. Bruto, terreno irregular, encontrei a mim mesma anos depois parada, pelos órgãos e membros, pelo ar inalado, parada no mesmo lugar remanejando suas bordas. Cuidava com cautela à terra fértil de suas unhas, às intempéries do espírito. Mas a ventania era inevitável, mesmo frente ao meu desgosto, posto que vinha para arrastar-me. Era real o que estava acontecendo. Quando abria os olhos, via luzes refletidas pelo chão, sentia frio, encontrava um livro, nesta ordem de procedimentos. E, então, quando procurava reerguer-me pelas paredes arrebatadas, tocando firme pelos apoios desmantelados de ontem, encontrava sempre o começo do dia, e o processo se repetia.


Este momento passou a me repetir, e repetia sempre que possível, para que eu tomasse vivência de meu tempo. Mas, alguma coisa naquela casa eu não podia lembrar-me, embora fosse a única que eu quisesse lembrar. O eterno jorrar, como se fosse. Eu tentava alcançar, para remendá-las, aquelas misteriosas luzes coloridas que povoavam o terraço da casa. Algo a respeito do instante não me permitia a lembrar, assim, não me deixando esquecer. Constante, eu seguia pelas bordas do rio, compelida a me afogar, desejosa por movimentar a corrente, saudosa de casa.



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