o movimento do entre pelo tempo e pelo espaço, onde cada palavra é figura esburacada, e o rosto de ninguém expande ao infinito.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Infância

Lembranças são infiéis quando a memória é jovem. Ouvi de minha mãe meus dois anos inteiros num dia indeciso em falta de chuva e falta de sol. Será minha memória uma composição? Lembro-me de meu pai e cabelos encaracolados de preto e branco, embolados num pedalinho de cisne. Tinha as costas papeando comigo e o rosto beijando o lago. Dois pequenos me olhavam como agulhas em sangue. Tinham meu nariz no rosto deles.
Eu e meus narizes navegamos pelo círculo do tempo. Abrir os olhos por uma manhã enevoada e sentir cheiro de café é como lembrar. Passei os dedos infantis pelas águas paradas da vida. Talvez a realidade seja uma sensação em devir, como mãos em filetes de rio.
Hoje vou ao mesmo parque fazer piqueniques com amigos crescidos. Sentamos em gramas que podem ser as mesmas daquele dia. As pontinhas do mato estão guardadas no silêncio.
Não vi garças, nem mesmo vi o céu. Todo o resto encharcou-se no que segurei nas mãos: um momento. Já os cabelos de minha mãe, estes eram curtos de mentira. Construí um entendimento que não tem que existir. Sei bem o que aconteceu, porque lembranças são assim mesmo, rodeadas por miniaturas que escorrem no vento. Não devo entender a lembrança, ela é um corpo que estica em carne por debaixo de luzes noturnas.

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